Com a nova institucionalidade, os anos de 1990 serão marcados, no Brasil, por uma generalização do discurso da participação. Os mais diversos atores sociais, tanto no âmbito da sociedade quanto do Estado, reivindicam a participação social, a democracia participativa, o controle social sobre o Estado e a realização de parcerias entre o Estado e a sociedade civil. Trata-se de um cenário de mudanças, característico da própria conjuntura política brasileira, que possibilitou requalificar a temática da participação no que diz respeito ao aprofundamento da democracia, à construção de um novo paradigma às ações coletivas, baseado na categoria da cidadania e ao estabelecimento de novos espaços de discussão, formulação e decisão. No entanto, temas como participação, democracia, controle social e parceria não são conceitos com igual significado para todos os atores sociais, de sorte que essa generalização e disputa de significados colocam a necessidade de refazer inicialmente alguns percursos históricos que construíram conceitos e práticas de participação política no Brasil.
Pode-se, inicialmente, dizer que a participação democrática nas decisões e ações públicas tem sido duramente conquistada pela sociedade civil por lidar com um Estado tradicionalmente privatista, que sempre manteve relações simbióticas e corporativas com grupos privilegiados. Trata-se, no Brasil, de um Estado com uma história de mistura promíscua entre o público e o privado3, marcada pela exclusão de conquistas sociais e democráticas coletivamente construídas, apesar de os segmentos sociais definirem persistentemente seu lugar como atores nessa história, bem como de suas possibilidades de participar da fixação de seus rumos. Nesta perspectiva, as mobilizações e movimentos sociais que se construíram no contexto sócio-político brasileiro o fizeram como formas de participação política, que se diferenciam segundo as questões reivindicadas, definidas pelas condições concretas de cada época, pela experiência histórica e política dos atores protagonistas e pela maior ou menor abertura dos governantes ao diálogo e à negociação.
Nos anos de 1980, o processo de mobilização social se intensifica e ganha visibilidade ao tentar aglutinar esforços para o estabelecimento da nova ordem democrática no país. Elegem como tema central a ampliação da participação política para os diferentes segmentos sociais organizados em torno de demandas pontuais, mas acenando para o conjunto da sociedade. No campo popular, proliferaram movimentos, associações e federações de moradores, conselhos populares, fóruns e plenárias que punham como utopia a participação na gestão pública (SILVA, 1997).
Há, assim, na década de 1980, uma fase de emergência dos “novos movimentos sociais”, que se organizam como espaços de ação reivindicativa e recusam relações subordinadas, de tutela ou de cooptação, com o Estado, partidos ou outras instituições. Esses novos sujeitos buscam construir uma cultura participativa e autônoma, multiplicando-se por todo o país e constituindo uma vasta teia de organizações populares que se mobilizam em torno da conquista, garantia e ampliação de direitos, alcançando a agenda para a luta contra as mais diversas discriminações (DAGNINO, 1994). A emergência dos chamados novos movimentos sociais, que se pautou pela luta, segundo Arendt (1991), do “direito a ter direitos”, e do direito de participar da sua redefinição e da gestão da sociedade, culminou com o próprio reconhecimento, na Constituição Federal de 1988, denominada de Constituição Cidadã.
Na década de 1990, merecem destaque, devido à pressão e construção coletiva de espaços de gestão, as áreas que envolvem políticas de defesa dos direitos da criança e de assistência social. Através das novas leis criadas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), essas políticas, marcadas tradicionalmente pelo paternalismo e clientelismo, são redefinidas e alcançam formalmente um caráter universal e democrático, submetidas ao controle social, exercido por movimentos, entidades profissionais e outros representantes da sociedade civil. Ademais, intensifica-se a discussão da relação entre Estado e Sociedade Civil, com o enfoque, num regime democrático, centrando-se nas questões dos novos direitos sociais e seus instrumentos constitucionais. Em outros termos, a participação da sociedade civil na gestão das políticas públicas ganhou grande relevância com a criação e ampliação de canais propositivos e deliberativos, como os fóruns e os conselhos gestores, de modo que temas como “participação comunitária e participação popular cedem lugar a duas novas denominações: participação cidadã e participação social” (GOHN, 2001, p. 56).
Na participação cidadã, segundo Gohn (idem, p. 57), a categoria central deixa de ser a comunidade ou o povo e passa a ser a sociedade. O conceito de participação cidadã está baseado na universalização dos direitos sociais, na ampliação da cidadania e numa nova compreensão sobre o papel e o caráter do Estado, remetendo à definição das prioridades nas políticas públicas, a partir de um debate também público. Assim, a participação passa a ser concebida como intervenção social periódica e planejada, posto que se dá ao longo de todo o processo de formulação e implementação de políticas públicas. A característica principal deste tipo de participação é a tendência à institucionalização, entendida como inclusão no arcabouço jurídico-institucional do Estado, a partir da criação e implementação de novas estruturas de representações, compostas por pessoas eleitas diretamente pela sociedade civil e por representantes do poder público.
O sentido da participação social está, por sua vez, fundado na idéia do desenvolvimento de uma “cultura cívica”4, que pressupõe comunidades atuantes, compostas de organizações autônomas da sociedade civil, imbuídas de espírito público, com relações sociais igualitárias e estruturas fincadas na confiança e na colaboração, articuladas em redes horizontais.
Ora, à medida que organismos da sociedade civil ganham visibilidade e legitimidade a partir da definição de instrumentos democráticos de participação política que, ao se efetivarem, apontam simultaneamente os limites da democracia representativa e a necessidade de se aprofundar os processos de participação social e política, tal dinâmica introduz novas mudanças, como expressa Gohn (2002, p. 7),
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